sexta-feira, 14 de abril de 2023

[Resenha] Naiara e Maja: As Vampiras Escandalizantes de Edmundo Rodrigues

As sombras se deitam, eis o momento da caçada. Peguem suas estacas e crucifixos, pois as longas e frias noites estão novamente presentes e, com elas, as vampiras de Edmundo Rodrigues despertam de seu sono secular...

Há inúmeras criaturas folclóricas, mas uma das mais famosas – e a que mais gosto –, é o vampiro. Em síntese, há sinais do mito na Grécia Antiga nos contos sobre os Vrykolakas, criaturas que são mortos-vivos e que se alimentam da energia vital dos mortais através do sangue deles. Além da necessidade de consumir sangue, outras características que possuem envolve o estranho vínculo com o local onde foram sepultados quando mortais (para onde retornam antes do amanhecer), assim como uma habilidade mágica capaz de disfarçar sua horrenda aparência – de acordo com o mito, essas criaturas atacam suas vítimas enquanto elas dormem, provavelmente também influenciaram a origem de lendas como as dos demônios íncubo e súcubo.

Um vrykolaka se alimentando de um humano enquanto ele dorme

Não apenas no Ocidente, mas até mesmo no Oriente há lendas envolvendo criaturas que saem de noite para se alimentar do sangue dos mortais; ou seja, há diversas origens que variam de cultura para cultura, atribuindo sempre novos elementos, mas é inegável que o mito do vampiro ganha força e se firma no imaginário popular com a publicação das obras literárias Drácula de Bram Stoker (1897) e Carmilla de Joseph Sheridan Le Fanu

Especula-se que Stoker tenha sido fortemente influenciado pela obra de Le Fanu, e que provavelmente as figuras históricas como o príncipe romeno Vlad Tepes (1431-1476) e a condessa húngara Elizabeth Báthory (1560-1614), aristocratas que ficaram conhecidos pelas crueldade que praticaram, serviram de influência na criação dos personagens de ambos os escritores irlandeses. No caso da condessa Báthory, há relatos de que ela bebia e também se banhava com o sangue das vítimas (mulheres jovens, camponesas e até mesmo da nobreza) que ela assassinava com o objetivo de recuperar a juventude perdida – de acordo com as lendas, que surgem exatamente em um período em que o vampirismo se torna popular na Europa.

A vampira Carmilla se aproximando de sua vítima.

As obras literárias de Stoker e Le Fanu, não são os primeiros escritos que retratam essas criaturas – em outro post falarei mais detalhadamente sobre –, mas eles são os responsáveis por imprimir os elementos do gótico e do erotismo nas histórias sobre vampiros. Figuras clássicas do gênero horror, os vampiros se tornaram populares em todo tipo de mídia, de filmes a jogos e; claro, também nas histórias em quadrinhos.

Os vampiros nos quadrinhos 

Antes do fenômeno dos super-heróis das grandes editoras Marvel e DC Comics, o gênero horror era uma febre entre os leitores de quadrinhos no final da década de 40 e em boa parte da década de 50 nos Estados Unidos, assim como o gênero noir (suspense e policial) típico das revistas Pulps, sendo a EC Comics (inicialmente Educational Comics e posteriormente, Entertaining Comicsquando Bill Gaines assume os negócios do pai) a editora responsável por publicar grandes títulos como The Vault of Horror, Tales from the Crypt e The Haunt of Fear, revistas que influenciaram vários escritores, inclusive o Stephen King.

Não apenas a EC Comics, a Warren Publishing também teve um importante papel de destaque na publicação de quadrinhos de horror, fazendo com que as grandes editoras Marvel e DC, posteriormente, voltassem a apostar no gênero – algo que em outro momento pretendo abordar detalhadamente aqui no blog. Como era de se esperar, os vampiros se disseminaram nas histórias em quadrinhos, sendo extensa a lista de personagens, mas entre os mais famosos, temos: o Drácula das editoras Marvel e DC Comics (década de 50); Vampirella (Warren Publishing, 1969); Zora La Vampira (Edifumetto, 1972); Blade, O Caçador de Vampiros (Marvel Comics, 1973); Don Drácula/ ドン・ドラキュラ(Akita Shoten, 1979) e Vampire Hunter D/ 吸血鬼ハンター"D" (Asahi Shabum, 1983); Dampyr (Sergio Bonelli Editore, 2000).

Os vampiros também dominaram os quadrinhos nacionais, isso a partir da década de 60; porém, vale ressaltar que no Brasil o mercado de quadrinhos do gênero terror e horror, desde o final da década de 30 até meados dos anos 90, foi bastante aquecido. Como eu mencionei em outra publicação sobre quadrinhos nacionais, em uma resenha sobre a biografia do quadrinista Paulo Fukue, existe todo um universo de quadrinhos dos gêneros terror e horror que precisa ser explorado e revisitado, como é o caso das vampiras criadas por Edmundo Rodrigues.

As Vampiras de Edmundo Rodrigues

As longas e frias noites se aproximam, portanto, peguem seus crucifixos, alhos, rosários, estacas e qualquer item que o ajude na caçada, pois elas despertaram de seu longo sono e estão famintas... 

(Antes de continuar a leitura, recomendo que escute a versão da música Cry Little Sister feita por Anneke van Giersbergenhttps://youtu.be/cbLaHChESXs).

Como mencionado anteriormente, Stoker e Le Fanu são os responsáveis pela figura do vampiro moderno na literatura, inclusive imprimem os elementos do gótico e do erotismo, estes, geralmente presentes em qualquer história sobre essas criaturas. Sendo assim, com a popularização dos vampiros na nona arte, não demorou para que fossem criadas personagens femininas, esse é o caso da vampira Mirza, criação do brilhante Eugenio Colonnese. A vampira aparece pela primeira vez em Mirza, A Mulher Vampiro nº 1, publicada em março de 1967 pela editora Jotaesse, sendo Mirza anterior à Vampirella, que viria aparecer apenas em 1969; ou seja, Mirza é a primeira vampira dos quadrinhos.

Com o sucesso da criação de Colonnese, não demorou para que outras editoras aproveitassem esse novo nicho e encomendassem a criação de suas femmes fatales bebedoras de sangue, como é o caso da editora Taika que deu a tarefa ao prolífico ilustrador e roteirista (e também editor) Edmundo Rodrigues, e foi assim que surgiu a personagem Naiara, A Filha de Drácula, que aparece pela primeira vez na edição nº 4 da revista Histórias Satânicas, publicada em 1968. 

Já em 1969, Edmundo Rodrigues se tornou o principal desenhista da editora O Livreiro (de Horley Chiodi), que, de 69 a 1972, criou e desenhou mais de 432 títulos, entre eles, Maja, A Mulher-Vampiro. A nova e belíssima vampira de Rodrigues teve a sua estréia na revista Mundo do Terror, publicada em 1969.

Ambas as personagens ganharam uma nova publicação da editora Criativo através do selo GRRR! (Gibi Raivoso, Radical e Revolucionário!) do editor e quadrinista Marcio Baraldi, que tem feito um admirável trabalho de resgate das obras desses grandes autores dos quadrinhos nacionais, como é o caso do Edmundo Rodrigues. A revista Graphic Book Naiara e Maja, As Vampiras de Edmundo Rodrigues, reúne três histórias de Rodrigues, sendo uma a da personagem Naiara e duas (e únicas) de Maja.

Depois de sua estréia na edição nº 4 da revista Histórias Satânicas, a primogênita do Drácula ganhou seu próprio título que teve 11 edições.

Além do incrível traço, é notável a criatividade de Rodrigues ao nos depararmos com suas criações. Em Condenada à Morte! temos a estréia de Naiara, uma vampira loira, sensual e nada mais, nada menos que a primogênita do aristocrata conde Drácula. Se há algo interessante no universo mitológico dos vampiros, isso envolve a liberdade de desenvolver novas origens, assim como diversas habilidades provenientes da natureza sobrenatural dessas criaturas, assim o faz Rodrigues.

Naiara se banhando em sangue extraído de suas vítimas, provavelmente uma referência com as lendas sobre a condessa Báthory

Naiara, diferente dos demais vampiros, possui como características o fato de que suas vítimas sejam exclusivamente homens, que ela diz detestar, assim como seu pai, o Drácula. Essa misandria, por sua vez, deve ser resultado da relação dela com o pai, talvez ela o culpe pela sua condição de vampira que é algo que está longe de ser alguma dádiva – acredito que esse aspecto possa ter sido explorado em outras histórias da personagem. Além da repulsa por homens, Naiara, apesar de cruel, não suga o sangue de suas vítimas diretamente de seus pescoços ou braços como faria um animal selvagem; mas sim, prefere consumi-lo em taças ou até mesmo banhar-se nele.

Não bastasse a beleza como armadilha, Naiara também consegue hipnotizar suas vítimas

Em busca de manter sua vitalidade e juventude, Naiara não pensará duas vezes em seduzir os homens, além de descarregar neles a repulsa que sente pelo pai. Após essa história inicial, a personagem ganhou um título próprio que teve onze edições e três almanaques extras, e foi tratada por diversos autores como Helena Fonseca (roteiros) e os desenhistas Juarez Odilon e Nico Rosso.


A outra criação de Rodrigues, Maja, A Mulher-Vampiro, age durante as noites do século XX, especificamente nos cabarés londrinos em que atua como dançarina. Maja é uma bela morena de olhos azuis e, diferente de sua irmã Naiara, ela não parece se importar como irá sugar o sangue de suas vítimas e nem possui algum tipo de preferência por determinado sexo. Para Maja, o que realmente importa é aplacar a fome que sente todas as noites, sendo essa uma condição de sua maldição.

Curiosamente, além da noite, a Lua também exerce algum tipo de distúrbio em Maja, despertando seu lado demoníaco. Suas vítimas ainda são contempladas com um verdadeiro espetáculo de horror, pois uma das peculiaridades da vampira, é que um grande morcego brota de seu sexo, além do dom (semelhante ao do Drácula) de assumir a forma de outras criaturas. Maja, diferente de Naiara, teve apenas duas histórias, o que é lamentável, pois gostei do potencial da personagem e ela merecia um desenvolvimento maior.

No auge do período militar, as revistas com esse tipo de conteúdo (terror e erótico) e qualquer gênero considerado pelo regime como subversivo, não escaparam da censura, resultando até mesmo na destruição delas. Vale ressaltar, mesmo que seja algo óbvio, é que todo tipo de censura, não importa de qual espectro político e/ou viés ideológico seja oriunda, é idiota. É, inclusive, um atentado contra a criatividade humana.

Um dos grandes nomes dos quadrinhos nacionais, Edmundo Rodrigues faleceu em setembro de 2012. Pelo reconhecimento de seu trabalho na nona arte, recebeu os prêmios Angelo Agostini e HQ Mix.

De todo modo, desconhecia essas personagens do Edmundo Rodrigues, inclusive, fiquei surpreso de saber que ele é meu conterrâneo. Rodrigues nasceu em Belém do Pará, em 1935, e se mudou para o Rio de Janeiro ainda na infância. Aos 24 anos já era conhecido no mercado nacional de quadrinhos e teve uma longeva trajetória no ramo, trabalhou em diversas editoras, inclusive na Bloch e RGE

Além das vampiras Naiara e Maja, Rodrigues tem uma extensa lista de criações, entre eles, os personagens Falcão Negro; Capitão Black; Irina, A Bruxa; Fantar; e Juvêncio, O Justiceiro

Gostei das histórias, elas possuem um roteiro e arte de qualidade, o que realmente me faz lamentar que foram poucas as edições que essas personagens tiveram. Ademais, eu gosto da temática que envolve essas criaturas folclóricas, até pelo fato de trazerem consigo uma discussão sobre a mortalidade humana e sobre a danação que poderia ser a imortalidade.

De todo modo, aos leitores de quadrinhos (ou se de repente você ainda não é um) que aqui vieram, recomendo a leitura desse material. Como já mencionei, há todo um universo envolvendo os quadrinhos nacionais, não apenas os do gênero horror, que é preciso descobrir ou revisitar.

Graphic Book: Naiara e Maja, As Vampiras
Autor: Edmundo Rodrigues
Editor: Marcio Baraldi
Formato: 21 x 28, 56 páginas
Lançamento: Editora Criativo/Selo GRRR!



Para conhecer outras obras de outros autores brasileiros, recomendo que acesso o site da Editora Criativo: https://www.criativostore.com.br/

Boa leitura!

Um comentário:

  1. MUITO LEGAL, OBRIGADO. A FAMILIA DO EDMUNDO ADOROU A RESENHA! VALEU!!! ABRAÇOS.

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